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Abandonar a "força que vem do braço",
usar a "força que começa pelas costas"
Entrevistado: Makoto Nishida - Shihan - 7º dan
Presidente da Federação Paulista de Aikido (Brasil), ex-secretário da IAF, etc.
A força que se utiliza do braço, a força que se utiliza das costas.
— Quando seguro firmemente o pulso do Sensei, sinto uma força muitas vezes maior me levantando, perco o equilíbrio, e acabo ficando na ponta dos pés...
Nas técnicas do Aikido, há o kuzushi (desequilíbrio) e o sabaki (manipulação); o importante é, antes de mais nada, desequilibrar o parceiro, e o essencial na forma de usar a força nesse momento, penso eu, é "usar as costas". Uso a expressão "usar as costas" para facilitar a compreensão, na verdade, é a força da parte inferior do corpo, a força de reação inversa à gravidade da Terra. Concentrada inicialmente nos músculos iliopsoas, essa força atravessa os “músculos de transmissão” que ficam na parte posterior do corpo - isto é, a grande dorsal, deltoide, tríceps e músculo flexor ulnar - e enfim é transmitida para o parceiro. Nos termos do Aikido, penso que essa força transmitida é o kokyu-ryoku (força da respiração). Ao utilizarmos essa força que recebemos da Terra, transmitindo-a eficientemente a partir de nossos membros inferiores, somos capazes de liberar uma enorme energia.
Entretanto, o que inibe a transmissão dessa força são os bíceps, em outras palavras, o músculo do "Popeye". Basicamente, quando usamos a força do braço, em resposta, os membros inferiores acabam se enrijecendo e a força transmitida para o parceiro acaba vindo apenas do braço. Por exemplo, quando uma escavadora tenta derrubar uma parede usando apenas a parte de seu braço para frente, o resto da escavadeira serve apenas como um peso morto, agindo como um mero suporte para absorver a força inversa vinda do braço. Porém, quando se fixa o braço em um único ponto da parede, e se avança usando a tração e o peso do corpo todo da escavadeira, a força será extremamente maior.
Assim, o que se deve inibir não é a força do corpo inteiro, mas sim a força do braço; não se deve usar apenas uma parte limitada da força. Entretanto, o bíceps é extremamente importante para nossa vida diária. Desde a época em que os ancestrais dos humanos subiam em árvores e eventualmente começaram a usar instrumentos, esse músculo vem se desenvolvendo. O bíceps eventualmente se tornou um músculo muito sensível; quando pensamos em fazer algo, invariavelmente acabamos utilizando-o. E isso se tornou um hábito. Por essa causa, quando alguém nos faz algo, imediatamente colocamos força nesse músculo por reflexo. Quando agarram nossa mão, o corpo se enrijece e então ficamos afoitos. E quando isso acontece, acabamos usando apenas a força do braço, esquecendo que as pessoas possuem originalmente o kokyu-ryoku, e consequentemente, essa força que emana de todo o corpo acaba sendo prejudicada.
Lembrar-se, ao iniciar um movimento, de que ele deve "começar pelas costas" é muito importante. Ao começar pela força do braço, o parceiro também usará a sua, e então haverá colisão. Entretanto, se começarmos por nossas costas, o parceiro também responderá com suas costas e assim haverá conexão, criando a sensação de unidade.
— Como podemos aprender esse movimento que utiliza as costas?
Certamente, a postura é muito importante. Ao expandir o peitoral, comprimir a escápula e virar o braço para dentro, os músculos transmissores das costas se arranjam. Ao invés de se posicionar favorecendo a força do braço, acredito que ao posicionar-se de uma forma que favoreça o uso efetivo dos músculos posteriores do corpo, o movimento irá fluir naturalmente.
Por exemplo, na técnica de kokyu-ho sentado, alinha-se a postura, comprime-se a escápula, e começamos a virar o braço. Assim, os músculos transmissores se alinham, forma-se uma via muscular completa a partir dos iliopsoas e quadril, a força flui por esses músculos, e desta forma finalmente é transmitida ao parceiro. Uma coisa curiosa nesse movimento de virar o braço é que ele é uma forma semelhante a quando recebemos um nikyo ou sankyo. Também é semelhante ao “Ten no Toribune” (exercício de remar barco) no momento em que "puxamos o remo", quando trazemos os dois ombros para trás e viramos os braços. Ao repetir continuamente esses movimentos durante o treino, vamos nos habituando com essa postura. O importante é cultivar esse hábito.
Nosso corpo é protegido pela força de nossos músculos involuntários.
— Como o Sensei percebeu a importância do uso da força das costas?
Intrigado ao ler em certo livro "o Aikido não usa músculos flexores, mas sim, os músculos extensores", enquanto refletia sobre várias coisas relacionadas, ao invés de músculos extensores, comecei a imaginar que isso talvez se referisse aos músculos involuntários. Os músculos que controlam o movimento do coração, pulmão ou estômago, e outros órgãos internos, não são músculos controlados conscientemente; são involuntários. Esses movimentos são controlados por um grande computador natural. Mesmo não tendo nenhuma intenção de movimentar meu coração, ele simplesmente continua trabalhando.
Por outro lado, o bíceps braquial é um dos principais músculos voluntários. A força dos braços precisa ser controlada conscientemente por nosso pequeno cérebro, e por isso, há um limite nas formas de se movimentar. Além disso, o ato de atacar alguém, sendo basicamente uma demonstração de ego, utiliza inteiramente a força do braço. Se, da mesma forma, nós também respondemos com a força do próprio braço, acabaremos tendo a repetição de uma disputa interminável. Assim, é importante que nós confiemos a tarefa completamente ao corpo natural.
— Dito isso, quando uma pessoa forte nos agarra com muito vigor, nós também acabamos usando a força.
Sim, por força do hábito, temos a tendência de concentrarmos a força no braço.
Às vezes, uso a seguinte metáfora. Quando o presidente americano precisa ir para algum lugar, sua área de atuação é planejada antecipadamente, certificando-se de preparar um sistema de segurança adequado. Mas se o presidente começar a agir arbitrariamente, seus seguranças precisam se adaptar constantemente, e assim não conseguem agir conforme o plano original. É similar ao nosso corpo, nossos músculos involuntários formam o sistema de segurança original que foi sendo desenvolvido pela natureza. Assim, quando nós nos movemos impulsivamente pensando "eu, eu vou fazer", o sistema de segurança original de todo nosso corpo é prejudicado e nossos músculos involuntários não conseguem mais trabalhar adequadamente. Finalmente, na ocasião de um confronto entre um pequeno computador individual de uma pessoa e um grande computador da natureza, é evidente que o computador maior irá ganhar. Ao entendermos isso, compreendemos a grande importância de ficar com o corpo natural.
Nosso corpo é naturalmente protegido contra ameaças externas. Abandonando seu eu menor, mesmo quando for agarrado com força, não fique afoito. Ao relaxar suavemente o corpo, todos os outros músculos irão trabalhar para proteger esse braço. Penso que talvez nosso corpo tenha se desenvolvido dessa forma.
Abandone o eu menor, confie em seu eu maior.
A definição de "corpo natural" pode variar de pessoa para pessoa, porém não estar com o corpo natural significa, afinal, estar artificial.
Enfim, o movimento dos músculos voluntários que as pessoas fazem deliberadamente acaba não formando o corpo natural. Ao não utilizarmos a força dos braços, os músculos movimentados pelo seu eu menor, mesmo sem pensar profundamente, é possível formar esse corpo natural.
Dentro de si, existem o eu do qual você tem consciência e um segundo eu que é parte da natureza. Penso que, no Aikido, ao invés de usar a força que emana de seu eu menor, é importante entregar-se para a força que emana da grande natureza. Acredito que, ao não se apegar a seu pequeno eu, abandonando seu eu menor, o treino do dia-a-dia irá conectar-se com a proteção vinda da grande natureza.
O treino de Aikido é Misogui
No treino, quando não usamos o músculo do braço, não sentimos a satisfação de ter feito alguma coisa. Acabamos ficando inseguros. Temos o costume de usar a força do braço imediatamente. Usamos o termo "levantar o punho"* quando ficamos irritados com alguma coisa; colocamos força no braço, e o corpo fica tenso. Os músculos e os sentimentos estão intrinsecamente conectados.
Penso que fazer um treino de Aikido sem usar a força do braço é significativamente importante, inclusive, psicologicamente. Para controlar a si próprio, que se irrita tão facilmente, primeiro, deixe de usar o músculo do braço, que é um músculo voluntário. Ao fazer isso, naturalmente sentiremos nosso corpo e espírito serenos, como se estivéssemos contemplando uma montanha distante.
Diz-se que o “Aikido é Misogui” (purificação), porém, talvez isso não seja simplesmente um conceito, mas efetivamente fazer a purificação através do movimento de nosso próprio corpo. Ao invés do eu menor (corporal), penso que um treino que confia na grande natureza (espiritual) seja uma das interpretações do termo “reishutaiju” (espírito dominante, corpo obediente) deixadas por nosso fundador.
Vocabulário de apoio:
- kuzushi (崩し): Desmontar. Aikido: ato de desequilibrar o parceiro.
- sabaki (捌き): Manipular. Aikido: ato de conduzir e manipular o movimento do parceiro.
- grande dorsal, deltoide, tríceps, flexor ulnar: Anatomia: Série de músculos posteriores, da parte inferior das costas, passando pela lombar, ombros e braços.
- bíceps: Anatomia: Músculo da parte frontal do braço.
- músculos de transmissão: No artigo, o Sensei se refere ao conjunto de músculos da parte posterior do corpo, que conduz a força como uma corrente.
- músculo do Popeye: Referência ao bíceps que se sobressai quando o personagem “marinheiro Popeye” come espinafre.
- kokyu-ryoku (呼吸力): Aikido: Força da respiração. A força de inspirar/expirar energia.
- nikyo, sankyo: Aikido: Segundo e terceiro ensinamento. Técnicas de imobilização, focado na torção do braço e pulso.
- ten no toribune (天の鳥舟): Aikido: Exercício que simula a remada de barco. Também conhecido como “funakogui undo” (舟漕ぎ運動).
- flexores e extensores: Anatomia: Músculos que flexionam/contraem; estendem/alongam determinados membros.
- misogui (禊): (Ritual de) purificação.
- “levantar o punho”: O termo original “拳を振り被る”, traduz-se como “cobrir com o punho”, usado quando se levanta o punho em posição de ameaça.
- reishutaiju (霊主体従): Espírito dominante, corpo obediente. O espírito deve ter o controle, o corpo deixa ser controlado.
Artigo publicado originalmente na revista "Aikido Tankyu 合気道探求" - No. 53 / Jan/2017
Tradução: Ricardo Doi / Revisão: Bruno Hissatsugu (revisão v1.0.19 - 2017/09/29)
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